Alguns aspectos dos objectivos do PARSEL
As nossas escolas educam os jovens no sentido de torná-los cidadãos cientificamente literatos?
Há poucas indicações que assim seja. Parece que a grande preocupação é ensinar as ideias fundamentais ou as grandes ideias (NRC, 1996). Pouca atenção é dada ao ensino investigativo (enquiry teaching) e à promoção da compreensão da ciência de acordo com um ângulo adequado. Os currículos de ciências são, de um modo geral, guiados por mapas de conceitos embebidos na matéria e não tanto pelas necessidades da sociedade ou pelos interesses dos alunos. Miller (1997), ao medir literacia científica da população americana durante muitos anos, observou que apenas 7% das pessoas inquiridas, em 1995, manifestaram níveis elevados na dimensão de vocabulário e de compreensão da natureza da investigação científica. Só essas 7% das pessoas inquiridas podem ser, assim, consideradas cientificamente literatas. Os resultados alemães do TIMSS/III e PISA são particularmente desencorajadores. Mas, muitos outros resultados, noutros países, mostram também que a educação científica não está em boa forma. O relatório alemão TIMSS/III (Baumert et al. 1998) refere que “apenas uma proporção pequena de alunos alcançou um nível que lhe garante a aplicação independente do seu conhecimento. A maioria dos participantes dos níveis básicos mostra grandes dificuldades com as tarefas, sempre que estas são retiradas do seu contexto escolar familiar” (p. 101). "Há uma discrepância substancial entre as competências que são esperadas desenvolver nos alunos, de acordo com o currículo, e o objectivo real alcançado no final do secundário. Essa discrepância assume uma dimensão particular no que diz respeito à compreensão conceptual, à compreensão da natureza da investigação científica scientific enquiry e ao raciocínio (p. 89).
Os resultados obtidos com os actuais esforços de ensino são uma desilusão em todo o mundo. Há numerosas evidências que indicam que o interesse dos alunos pela ciência e pelas aulas de ciência diminui, durante a escolarização, e que as suas atitudes em relação à ciência são negativas (Osborne et al, 2003). Estudos realizados pelo IPN (Instituto de Educação em Ciências de Leibniz) sobre o interesse dos alunos (Gräber, 1998; Häussler, 1987) confirmam a investigação mundial de que as ciências “duras”, física e química, têm pouca popularidade, particularmente entre as meninas. Sjöberg (1997) refere: “Temos que admitir que a ciência e a tecnologia, pelo menos nas sociedades ocidentais democráticas, são encaradas com desconfiança e suspeita e que parece haver uma diminuição do interesse pela ciência nas escolas. Dados noruegueses mostram um declínio nas inscrições na escola, particularmente em física, e uma crise de recrutamento em todo o sector da ciência e tecnologia. A mesma tendência é observada em vários países da OCDE” (p. 14). A Comissão Europeia, preocupada com a falta de futuros cientistas na EU, formou um grupo de estudo para examinar de que forma se pode tornar a ciência mais popular (2004).
Quais são as causas do quadro descrito?
A análise de vídeos de sala de aula, no 2º Simpósio Internacional organizado pelo IPN (Instituto de Educação em Ciências de Leibniz), sobre Literacia Científica, permitiu classificar o ensino de ciências em três níveis, cada um deles podendo ser caracterizado por dois extremos: orientado para o professor versus orientado para o aluno; ensino de factos versus processos de aprendizagem; orientado para a disciplina versus orientado para as questões da vida quotidiana. O resultado encontrado: os professores tendem a dominar o processo de ensino/ aprendizagem promovendo aulas orientadas para os factos e com o objectivo de reproduzirem (pelo menos em parte) a estrutura da sua disciplina científica, na cabeça dos seus alunos. Há uma discrepância entre intenções e práticas, sendo que os materiais de ensino - aprendizagem tendem a ultrapassar essa discrepância.
A personalidade dos professores constitui uma outra variável importante para explicar o presente quadro. As observações de Mead e Métraux (1973) demonstram que: “Os cientistas tendem a transferir os métodos abstractos das suas disciplinas para a vida do dia-a-dia e para a sala de aula, em vez de personalizar o material”. Deste modo, a visão de “ciência para os cientistas” é particularmente saliente nas aulas dominadas pelos professores e, mais uma vez, nos materiais de ensino utilizados e, mais ainda, nos recursos utilizados pelos professores, tais como testes e exames. A razão para a pouca popularidade das lições de ciência prende-se com a dificuldade da matéria. A maior parte dos tópicos, especialmente nas ciências físicas, são abstractos na sua natureza e não têm qualquer ligação com as experiências quotidianas dos alunos. Este tipo de aprendizagem requer pensar a um nível operacional formal. Contudo, vários estudos demonstram que a maior parte dos alunos não atingiu ainda este nível de pensamento (Gräber & Stork 1984). Sadler e Zeidler (entre muitos outros) apontam a fraca ligação entre o ensino da ciência e a sociedade e sugerem que os materiais de ensino – aprendizagem devem englobar aspectos sócio-científicos (Sadler, 2004, Zeidler et al., 2005).
Que abordagens e medidas foram adoptadas para se ultrapassar o quadro descrito?
É sugerido que para se promover a literacia científica multi- dimensional (Bybee, 1997) em todos os alunos, é necessário mais autonomia dos alunos e um ensino investigativo enquiry teaching, para promover a aquisição de competências processuais, e abordagens orientadas para o contexto social. Mas para tal, os professores têm que ter competências que lhe permitam ensinar de acordo com estes critérios. Daqui decorre a necessidade de se facilitar aos professores materiais de ensino – aprendizagem e/ ou recursos para que consigam ensinar de acordo com os critérios propostos e ajudá-los na sua tentativa de tornar o ensino de ciências mais relevante. Se os professores querem atingir o objectivo de formar cidadãos com níveis elevados de literacia científica e que as suas aulas de ciência contribuam para a educação geral de cidadãos emancipados, eles têm que organizar ambientes de aprendizagem desafiadores e orientar os alunos em direcção à aprendizagem auto-regulada a nível da resolução de problemas e da tomada de decisão. Isto requer materiais de ensino – aprendizagem e recursos para suportar o desenvolvimento de estratégias cognitivas e meta-cognitivas, bem como disposições emocionais e motivacionais, num ambiente interessante e com relevância para a vida futura dos alunos. Estas abordagens são encontradas, na literatura, com as palavras-chave Ciência/ Tecnologia / Sociedade (CTS), Ciência/ Tecnologia / Literacia (CTL), Orientação para o contexto e ensino de matérias integradas e, mais recentemente, ensino baseado em aspectos sócio-científicos. Este projecto pretende-se tornar num recurso disponível, em toda a Europa, para a promoção deste tipo de ensino.
Referências:
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Science education and careers 2005 COORDINATION ACTION Contract no 042922